Mulheres, o feminino, fonte de soluções, inventividades e proatividades, em casa e nos empreendimentos, somos agora, também, esperança por um mundo com mais bondade, empatia, sensibilidade, compaixão, tolerância, ou seja, um mundo com mais cuidado.
Mas, quem cuida da gente?
Cada uma de nós tem uma história que não pode ser apagada. Memórias de dores pessoais e coletivas, por ser mulher. Houve um tempo, em que precisamos abandonar nossa vida pessoal, nossos sentimentos, corpo, feminilidade e até mesmo nossa saúde, para lutar pelo direito ao trabalho remunerado, fora de casa. Hoje, o estresse vivido pela mulher, que empreende dentro e fora de casa, comumente é atravessado pela carga do medo e padrão de valores que esteve presente até muito recentemente em suas famílias e na cultura.
Elementos dos desafios atuais, associados a experiências da infância ou adolescência, podem intensificar a carga de estresse e obstáculos na resolução de todo tipo de problema. Quando nos embolamos nos problemas, não conseguimos olhar para eles com a distância necessária para encontrar uma solução.
Como se desenvolver bem, assim?
Uma mulher trabalhava em Home office, tinha crises de estresse emocional. Ela não conseguia pontuar limites e a participação do marido na responsabilidade com a casa e os filhos. Não conseguia também pontuar a participação dos filhos nos cuidados que a vida exige. Em conversas mais profundas, encontramos muitos valores vindos de suas avós, sobre a responsabilidade e papel da mulher em manter a casa limpa e em ordem. Essa “verdade” estava no subconsciente, ou seja, no corpo e na mente dela, porque o corpo e a área subconsciente da mente, são um só. Outra experiência muito marcante para ela foi o sentimento de incapacidade intelectual que tinha, devido a uma mudança que a colocou um ano adiantada na escola, no período da alfabetização, submetendo-a a exigências maiores. Tivemos que processar algumas vezes, tais experiências, acessando em níveis profundos, memórias, tanto com as avós, quanto com seus pais. Essas memórias não ficam, apenas, na área racional da nossa mente.
É no subconsciente que guardamos memórias, que se conectam diretamente com nosso sistema cardíaco, digestivo e respiratório. Por isso o corpo tem potencial de funcionar para nós como um guia, nos sinalizando quando algo não está bem. Nosso corpo, quando desligado com uso de medicamentos, pode não nos levar a atualizar memórias, e afetar nossa energia e presença necessárias à fluidez da vida. O desligar se deve a nossa tendência a evitação do sentir, principalmente o sentir medo.
O medo
Importante falar do medo, quando tratamos da conjugação dos diversos papéis exercidos pela mulher que trabalha fora. O medo é um “sensor” de perigo que temos no corpo. Sem o medo, ficamos extremamente vulneráveis. Sintomas como “falta de ar”, aperto no peito, tremor, fisgadas, podem ser sinais de que um medo do passado nos conectou com algum elemento da experiência presente, e precisa ser reconectado para passar por um processo de atualização neurofisiológica. Muito temos perdido com o abuso da medicalização dos nossos sentimentos de medo. Por esse motivo, tomar consciência dos medos subconscientes é tão importante para o nosso desenvolvimento e de nossos empreendimentos.
Um exemplo é o caso de uma cliente, dona de uma loja de roupa feminina. Cresceu em meio ao negócio que foi de seus pais. Com 48 anos, sofrendo de muita ansiedade quando viajava para fazer a compra das roupas, achava que sua ansiedade era somente devido ao cansaço e insegurança pelo risco de ser assaltada. Mergulhando na sua ansiedade, percebeu que temia chegar à “velhice” neste mesmo negócio de roupas, quando gostaria de atuar no ramo de roupas esportivas. Adormecer o corpo desta cliente, medicalizar sua ansiedade, seria colocar um obstáculo no acesso à energia do medo, que é propulsora de movimentos de luta pelas mudanças.
Fugir aumenta o tamanho dos obstáculos, porque nos torna inábeis diante das ameaças e reforça medos em níveis cada vez mais profundos. Com o passar do tempo, evitando ou fugindo, desde criança, do que nos ameaça, nossos medos vão parecendo “sem explicação”, porque são memórias da infância ou adolescência, que se tornam cada vez mais subconscientes ou inconscientes. Essas memórias, por estarem na área mais diretamente ligada ao corpo, podem causar respostas automáticas e fisiológicas de “fuga ou luta”, como taquicardia, aperto no peito, calor excessivo, frio na barriga, irritabilidade, reatividades, estresse, tremores ou tensões musculares etc. Por isso,sensações e sinais corporais podem ser indicativos de algum trauma não processado: “congelamento” decorrente dos sentimentos de medo e incapacidade diante de ameaças. A evitação das sensações negativas de medo e ansiedade, a evitação do “falar sobre” o que te deixa mal, pode tornar desafios da vida experiências retraumatizantes.
É compreensível que uma memória negativa da infância seja mais potencialmente traumática. A criança é mais suscetível ao medo, a dificuldades de expressar sentimentos e sensações. Nos casos em que ela precisa do adulto para se defender, o sentimento de incapacidade é real. A capacidade de autopercepção e expressão dos sentimentos está em processo de desenvolvimento e o ambiente precisa ser acolhedor para que isso aconteça de forma saudável. Por isso, situações em que na infância nos sentimos com medo e incapacidade de lidar, e não tivemos um adulto ou um espaço que nos acolhesse, são potencialmente traumáticas.
Rastreamento e tratamento
O rastreamento e tratamento de psicotraumas é fundamental em qualquer terapia de pânico e ansiedade, e vai refletir no desenvolvimento pessoal. Sem isso, vive-se no “autocontrole”. O “auto-controle”, além de ineficaz, pode ser retraumatizante, visto que nos mantemos desamparados, evitativos, reagindo conforme a experiência original e reforçando o medo. Evitar olhar para um problema aparentemente evita que ele cresça, quando na verdade o faz crescer como uma sombra cada vez mais desconhecida, dolorosa, amedrontadora e cheia de ansiedades não conscientes: um “prato cheio” para a formação de transtornos psicológicos.
Mas você deve estar se perguntando: Se fica tudo aparentemente esquecido, como saber se tenho medos não conscientes? Nosso inconsciente se comunica por meio do corpo, com somatizações e reações automáticas de “luta-fuga diante de um perigo”: dores musculares, dificuldade em respirar, irritabilidade, taquicardia, tonturas etc. Para o tratamento desses sintomas, é necessário que você acolha essas manifestações do seu corpo em um ambiente seguro e perceba os processos psicológicos trazidos por ele, para os ressignificar.
Essa é a proposta da Meditação Bodyspotting: processamento de memória e relaxamento.
Você também poderá ter os seguintes benefícios com a prática regular: aumento da capacidade de foco, concentração e estado de presença; redução dos hormônios do estresse, da pressão arterial e do risco de cardiopatias. Não deixe para depois cuidar-se de maneira profunda. Esse é um processo que precisa começar, porque cada um o faz no seu tempo.
À nossa pergunta, aparentemente esquecida no início desse texto – Mas, quem cuida da gente? – temos uma resposta fundamental: a gente – ao decidir cuidar-se.